(André Rodrigues) A corrida inquietante da caça às reputações

O colombiano Juan Gabriel Vásquez está dentre as vozes mais potentes da literatura latino-americana. Outsider dos ecos de realismo mágico no continente, o escritor lapida as suas obras sob o alicerce das reflexões políticas, dos dilemas éticos e das entranhas conflituosas das relações de poder. Os seus livros nos impulsionam a leituras críticas, e por muitas vezes inquietantes, sobre arquétipos contemporâneos universais. Vásquez é arquiteto da ficção que fotografa discussões urgentes. 

Em seu romance de estreia, “Os Informantes” (2004), a trama se desenvolve no contexto dos cartéis da Colômbia no período de maior tensão entre as décadas de 1980 e 1990. Contudo, o autor desbrava para além da visão macro dos conflitos e traça paralelos entre a brutalidade cotidiana do crime com as origens familiares de personagens centrais, filhos de gerações ruídas há muito tempo e que cresceram destinados a novas ruínas. 

Já no “História Secreta de Costaguana” (2007), embarcamos nas tensões entre ficção e realidade, no que se compreende por entre trilhas da construção de uma verdade. Um romance sobre desencontros na modernidade, sonhos que se despedaçam, bastante recheado de referências de literatura clássica. 

Mas considero “As Reputações” (2013) o grande trunfo de Juan Gabriel Vasquéz. O livro esteve na edição do Pacote de Textos de janeiro de 2020 e pude discuti-lo em um dos episódios do podcast do Pacote de Textos no ano passado, na companhia da Nara e do Rafael.

Uma história que evoca o hoje com vigor. Presenciamos a ascensão do mundo paralelo das redes sociais, dotado de usuários com modus operandi caliginoso. No Twitter, por exemplo, vivenciamos um incansável canibalismo de narrativas. Vozes sobrepostas, imperativas, sedentas por aniquilação do outro. O embate de ideias e qualquer possibilidade de construção construtiva em busca de soluções coletivas urgentes perecem muito antes de nascer.  

O livro de Vásquez remonta uma discussão clássica, seja nos bancos dos cursos de Jornalismo ou no fluxo diário das opiniões populares, sobre o peso do papel de grandes meios de comunicação.

Personagem central, Javier Mallarino é o caricaturista mais importante da história da mídia impressa colombiana. Por mais de quatro décadas as suas publicações em jornal o renderam inimigos, admiradores, mas acima de tudo uma ilibada reputação. Uma grande referência de voz combativa por meio de desenhos ácidos com fortes poderes acusativos e desmoralizantes. 

A importância de uma figura política no país era medida ao nível de frequência em que estivesse nas obras do artista. Essa tamanha relevância histórica rendeu a Mallarino prêmios. O posto de lenda viva para os leitores da Colômbia.

Contudo, um episódio que há décadas estava entregue ao esquecimento geral bate à porta. Um de seus milhares de alvos ateia a chama da dúvida sobre toda uma série de críticas feitas em formato de charge. O brilhantismo na caça da reputação de um poderoso dança à beira do esgoto. Então Javier sente o baque de refletir sobre para que serve e a quem serve a própria reputação.

“Talvez fosse isso a reputação: o momento em que uma presença fabrica, para os que a observam, um precedente ilusório”. Uma leitura que convida ao freio sobre posturas que orientam a ânsia punitiva de nossos tempos. Nela afundamos no confronto das posições críticas e a emergencial busca pela real gênese dos interesses e na necessidade urgente de buscarmos uma visão mais ampla das situações. Nossos mundos de maior estima e próprios interesses podem nos levar ao topo, mas sempre nos manterão a um passo do abismo.

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