[Conto #5 – Blog do Pacote] Seu Pedro – por Filipe Pinho
Seu Pedro foi apresentando características que o distinguiam como cidadão exemplar. Cada vez mais preocupado com o povo e sempre disposto a ajudar, tinha a admiração de todos.
Passou a visitar pessoas acometidas por problema específicos de saúde:
— Ô de casa?!
— Quem é?
— É o seu Pedro
— Diga, cumpade véi!
— Trouxe umas frutas pra Sra. sua esposa. Soube que tem se levantado com dificuldades. Uma frutinha faz bem pra manter o físico esbelto.
O que mais encantava o povo – apesar de estranho, haviam de convir – era o desespero com o qual seu Pedro (que era coveiro da cidade, esqueci de lhes dizer), recebia uma notícia fúnebre.
— Não me digam que seu José morreu… Logo seu José – e caia num choro tão desesperado que precisava, muitas vezes, de auxílio para se manter de pé.
Quando rodava a manivela, movendo o morto ou a morta, vagarosamente, ao fundo da sepultura, Seu Pedro gritava mais alto que qualquer mãe ou esposa.
— Quando a gente nasce, Deus entrega a nossa cruz e num tem esse negócio de escolha não: é o jeito carregar – profetizava padre Thiago, na tentativa de acalmar o coveiro.
Mas um caso específico preocupava em demasiado Seu Pedro. Dr. Praxedes, antigo médico do Hospital Municipal. Com 80 anos e diabético, passava por momentos críticos. Pesando mais de 150 quilos, já não levantava há anos. À boca miúda, era questão de tempo.
— Se o Dr. Praxedes morrer, não sei se vou aguentar – se queixava aos familiares do moribundo.
A melancolia do coveiro era tamanha, que o povo se compadecia mais com a sua angústia, do que com o finado e família. Mário, o vendedor de bonés falsificados, vivia consolando Pedro quando o via cabisbaixo:
— Seu Pedro, não fique assim. O que importa é que a alma vai pra um lugar melhor
— Mas logo o Sr. Praxedes. Um homem daquele – reclamava com lágrimas de antecipadas.
Fato é que o dia chegou. Praxedes “acordou morto”. Receosos com a situação de Seu Pedro, uma junta formada pelo prefeito, o presidente da Assembleia legislativa e o Barbeiro Carlos Filho foi dar a notícia ao Coveiro em sua casa. Bateram palmas à porta fechada
— Bom dia, Seu Pedro.
E nenhuma movimentação na casa.
— Ô de casa! Seu Pedro, é o prefeito. Queria muito conversar com o Senhor.
O silêncio continuou, até constatarem que o velho coveiro não pertencia mais àquela casa. Aberta a porta a marretadas, escrito em carvão na parede da sala uma mensagem tremida: “Que Deus tenha pena da minha alma!”
Nunca mais fora visto na cidade. Uma missa foi realizada em sua homenagem, posto que muitos acreditavam que teria se recolhido para dar um fim a própria vida e ao sofrimento de enterrar pessoas amadas.
***
O bodegueiro Jonas, fino fofoqueiro da cidade, jura ter escutado uma história de que o velho coveiro tinha era mudado de cidade. Estava em Andaluzia, onde o povo fazia exercícios e morria magro. Não aguentava mais cavar tanto buraco e rodar a manivela com corpo gordo. Suas Bursites o matavam. Mas só Dona Elise acreditou no bodegueiro, confirmando seu presságio:
— Essa pedra eu já tinha cantado, Jonas. Era muito chamego pra um coveiro só.
Por Filipe Pinho (@filipeppinho)
* Texto publicado conforme versão enviada pelo(a) autor(a), sem qualquer interferência ou edição do Pacote de Textos.
Muito bom!