Ensaio – Do poema e da poesia, por Léo Prudêncio

Caro leitor, este ensaio tem por objetivo esclarecer de forma sucinta e objetiva o que é poema e o que é poesia, sem rodeios e firulas de linguagem. A ideia aqui é te aproximar do texto poético e não torná-lo algo de difícil acesso. Toda a literatura está ao nosso alcance, basta romper as amarraduras romantizadas feitas até mesmo pelos próprios poetas.

Primeiramente: poema é o texto que está impresso no papel, poesia é aquilo que levou o poeta a escrevê-lo. Portanto eu leio um poema de Carlos Drummond de Andrade, eu não leio uma poesia de Carlos Drummond de Andrade, isso porque a poesia já está entre nós, o que o poeta faz é imprimi-la, garatuja-la, no papel. Embora reconheça que quando falam de uma obra completa o termo utilizado seja a poesia, por exemplo, é comum às vezes a gente escutar “a poesia de fulano foi reunida em um único volume” ou então “a minha poesia é feita para todos”, logo o termo chega a ser escorregadio.

A nossa realidade, por mais que seja dura e fria, é também poesia. Quando João Cabral de Melo Neto decide escrever a realidade dura do sertanejo retirante produzindo, talvez o poema mais belo da literatura brasileira, chamado Morte e vida Severina ele faz um poema que foi retirado de uma realidade poética. Não confunda, caro leitor, este meu comentário com uma romantização do sofrimento alheio, até porque eu abomino esse tipo de coisa.

Não venho aqui enfeitar palavras, poesia é aquilo que pode ser visto a olho nu: um amor, a morte, uma maçã, a chuva incessante, o roubo, o sexo, um sapo defecando na beira de um rio… tudo isso é poesia.

Existem varias formas de poemas: o soneto, haicai, epigrama, epopeia, verso livre (que de livre não tem nada), poemas visual, etc., mas alguns se questionam sobre o que faz um texto ser poema!? Eu poderia enfileirar uma série de explicações com frases de efeito que não explicariam nada, mas não é o meu interesse aqui neste ensaio. Vamos por partes:

 

  1. O poema é um exercício de linguagem.

Alguns tem a ligeira noção de poema é um texto fofinho escrito por alguém que sofre dores de um amor não-correspondido, pode ser e pode não ser também. O importante no texto poético não é o tema em si, mas o seu desdobramento estético. Um poeta pode trabalhar qualquer ema, e todo tema já foi trabalhado milhões de vezes por infinitos escritores, mas o que torna o texto ser chamado de poema é a sua desenvoltura de linguagem, observem o poema abaixo:

 

Amavisse

(Hilda Hilst)

Como se te perdesse, assim te quero.

Como se não te visse (favas douradas

Sob um amarelo) assim te apreendo brusco

Inamovível, e te respiro inteiro

 

Um arco-íris de ar em águas profundas.

 

Como se tudo o mais me permitisses,

A mim me fotografo nuns portões de ferro

Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima

No dissoluto de toda despedida.

 

Como se te perdesse nos trens, nas estações

Ou contornando um círculo de águas

Removente ave, assim te somo a mim:

De redes e de anseios inundada.

 

O tema amoroso é trabalhado pelos poetas desde Ovídeo (poeta grego do tempo de Platão & cia) porém isso não impede que escritores contemporâneos, aqui no caso foi Hilda Hilst, deem a sua visão sobre o amor, até porque o amor é tão particular e próprio que cada um de nós temos uma compreensão e experiências diferentes sobre o tema.

O peculiar no poema de Hilda é a qualidade sonora que ela colocou em cada verso do poema, a experiência de Amavisse ganha outros contornos se você o ler em voz alta recitando com calma cada palavra, o poema ganha corpo e sentido quando lido em voz alta. Poemas têm muito de canção, de melodia, poucos são os poetas que sabem fazer uso deste recurso de linguagem.

Faz parte do recurso de linguagem poética o uso de imagens, Manoel de Barros é mestre nisso, observem no poema:

 

Bernardo é quase árvore.

Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem

de longe

E vêm pousar em seu ombro.

Seu olho renova as tardes.

Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho;

1 abridor de amanhecer

1 prego que farfalha

1 encolhedor de rios – e

1 esticador de horizontes.

(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três

Fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)

Bernardo desregula a natureza:

Seu olho aumenta o poente.

(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua

Incompletude?)

 

A linguagem no poema não precisa fazer sentido lógico, a lógica atrapalha o poema, lembre-se que não estamos escrevendo um artigo científico estamos no campo da imaginação literária, onde tudo é possível. Manoel gostava de reinventar a lógica do mundo desmontando imagens é tanto que você consegue visualizar o poema acima, eis uma dica boa: ler visualizando o poema. Chega de enrolação e vamos à segunda e última parte:

 

  1. O mito da inspiração

Tem quem diga que o poeta adorna as palavras sob efeito de inspiração, como se para escrever fosse necessária à ajuda de um espírito ou de uma ajuda divina. Acho importante esclarecer também esse ponto: isso tudo começou em um diálogo escrito por Platão chamado Íon, nesse diálogo o filósofo afirma que o poeta só pode escrever regido por uma inspiração/possessão divina. Eu já vi alguns escritores usarem o termo inspiração sem ao menos entenderem o significado e a sua aplicabilidade na discussão sobre escrita, mas isso é outra conversa.

A ideia de poeta inspirado ganhou um grande reforço durante o Romantismo, estética literária que predominou durante o século XVIII, sendo que os autores desse período tinham muitas ideias que iam de encontro com o catolicismo, e nada melhor do que associar o escritor com o Divino, outras ideias advindas de Platão foram inseridas nesse período literário, mas vamos ficar por aqui.

Com a ajuda das Vanguardas que foram surgindo no inicio do século passado esse mito foi sendo questionado e derrubado (ufa!). A escrita literária envolve trabalho de linguagem e reescrita. Pra vocês terem uma ideia o livro Morte e vida Severina, já citado nesse texto, foi reescrito quatorze vezes! Rachel de Queiroz, despensa apresentações, era conhecida também pelo seu trabalho exaustivo de revisões em seus textos, uma pessoa que reescreve infinitas vezes está sob efeito Divino? Basta relembrar que não houve revisão na feitura da Terra.

Outros poetas também discordam, Manoel de Barros dizia que conhecia a inspiração só de nome. Hilda Hilst comentava que acreditava na inspiração, que o poema era algo sublime, portanto esse é um assunto que varia conforme a pessoa. Mas de uma coisa sabemos que é a importância da reescrita e do cuidado na hora de entregar o produto final ao leitor. Todo escritor, na verdade, é um aliado do tempo (romantizei, né?).

            Finalizando eu reafirmo que é preciso desacralizar o papel do poema, torná-lo como algo sublime, distante e intelectualizado tarda sua recepção popular, isso é algo que atrapalha a sua aceitação e veiculação por parte de populares. O poema está aí para quem quiser degustá-lo. Ler um texto poético não é algo difícil é uma experiência diferente, mas não impossível/inacessível.

Léo Prudêncio – Poeta e mestre em Literatura e crítica literária (@prudencio_leo)

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2 Resultados

  1. Ulle disse:

    Olá,
    Muito legal o ensaio, eu tinha outro raciocínio a respeito.
    A Partir de quando estará disponível o posto referente a coletânea de poemas?

    Responder

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