Ana e Edgar, por Carla Renata
* Carla Renata
Em um final de tarde de junho eis que me deparo com o casal, Ana e Edgar. A cabeça de ambos, completamente, branca e a pele já marcada pela ação do tempo, faz-me pensar que eles devem ter em torno de 70 anos. Talvez mais.
Fiquei sentada ao longe observando a cumplicidade deles. Ela fazia fotografias do sol. Ele estava fazendo poses. É que para os amantes há sempre um que faz as vezes do sol, brilha, ilumina e prende o outro em sua órbita. Eles alternavam esse lugar.
Pensei: o que estavam fazendo ali? era uma praia deserta, destino de poucos, alguns solitários, outros amantes. Eles eram os amantes. Talvez tivessem se reencontrado após tanto tempo afastados, cada um em seu próprio caminho que, agora, havia se cruzado novamente. Estavam vivendo o que antes eram apenas sonhos de planos futuros que haviam sido esquecidos em um passado distante. Não. Não. Talvez comemorassem bodas juntos.
Não. Isso também não.
Eles eram amantes da vida e do cotidiano. O tempo não importava. Naquele dia, estavam apenas vivendo, haviam saído de casa com destino à praia para celebrar o dia, celebrar o Sol.
Sentados na areia estavam Ana e Edgar. Eles conversavam sobre as trivialidades da vida. Falavam dos filhos, dos netos, de como a praia era boa, o sol estava bonito e as fotos pareciam que iria prestar daquela vez. Acho que já haviam tentado fazer fotos antes, sem muito sucesso, mas agora com uma certa experiência para fazê-los mais confiantes nos cliques realizados.
Costumam perguntar por aí qual a receita do amor. Olhando Ana e Edgar, fico pensando: qual a receita? como chegaram ali? Levei tempo para entender essa pergunta sobre “a receita do amor”, somente depois de cozinhar, entendi. O amor costuma ser como uma receita que você, somente você, aprendeu e é capaz de fazer. Digo isso porque, embora existam receitas tradicionais, os grandes segredos que passam por gerações só assim foram feitos, porque a receita original foi aperfeiçoada ao paladar de quem a criou.
Com certa dose de exigência, paciência e talvez alguns fracassos. Foi testando, provando, alterando e revendo as quantidades dos ingredientes até chegar à sensação perfeita de um sabor único, que parece se aconchegar, perfeitamente, a algo de dentro. É a materialização de um saber construído.
Eu não gostava de cozinhar, mas durante a pandemia eu aprendi como é cozinhar. Aprendi também que o amor é esse quentinho que tem por dentro, como o sol que deixa a pele aquecida embora não esteja mais ali e já seja noite, enquanto cozinhamos em pares receitas para ficarem de geração em geração.
Será que Ana e Edgar têm alguma receita?
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