Ensaio – Escritos sobre Pedagogias da beleza: as páginas femininas do Correio da Manhã, por Pâmela Mossmann

Pâmela Mossmann *

Em 2018, Renata Neiva defendeu a sua Tese de Doutorado, com o título Pedagogias da beleza: a história da educação do corpo feminino no Correio da Manhã (1925-1972). No ano de 2021, a sua tese deu origem ao sexto volume da coleção de livros História, Pensamento e Educação, da série Monografias, da Editora da Universidade Federal de Uberlândia (EDUFU). O título do livro é um pouco diferente do título da sua tese: Pedagogias da beleza: as páginas femininas do Correio da Manhã

No livro, a autora leva-nos para uma viagem no tempo por alguns costumes do Brasil através da sua análise das páginas do caderno feminino do periódico Correio da Manhã, fundado no Rio de Janeiro, em 1901, pelo advogado gaúcho Edmundo Bittencourt. Tal caderno surgiu como suplemento fixo no Correio da Manhã em 1925, sobrevivendo até 1972, dois anos antes de o jornal deixar de circular.

O suplemento feminino teve vários nomes ao longo dos seus anos de existência e surgiu com o objetivo de trazer “aprendizados” para as mulheres brasileiras, ditados por temas como moda, vida do lar, beleza e saúde. Voltado para as mulheres das classes média e alta, o caderno apresentava as novidades e tendências da moda internacional – nomeadamente de Paris -, além de ter lugar para anúncios de cosméticos e outros produtos auxiliares da beleza e da saúde feminina. Comportamentos preponderantes na sociedade, como a divisão dos papéis de gênero entre mulheres e homens – sendo aquelas as cuidadoras do lar e de quem aí vive, e estes os provedores e a quem as mulheres deveriam agradar e manter sempre satisfeitos – eram propagados pelas páginas do caderno feminino, ensinando às suas leitoras os padrões de comportamento socialmente aceitos e bem vistos para uma mulher de família.

Antes de o caderno feminino tornar-se permanente, em 1925, com frequência semanal na edição dominical do Correio da Manhã, o periódico já separava espaços publicitários, principalmente dirigidos às mulheres, como o do creme Rugol, que prometia acabar com as rugas como que num passe de mágica. A partir da sua consolidação enquanto publicação semanal, o caderno foi incrementado com colunistas fixas/fixos: (i) mulheres que escreviam sobre comportamento, moda e beleza, e (ii) homens, a maioria médicos, que, a partir da credibilidade científica que sua profissão lhes dotava, apresentavam os mais novos procedimentos estéticos e tratamentos para auxiliar as leitoras a emagrecerem e a corrigirem “imperfeições” do seu corpo e rosto.

A análise temporal de Renata Neiva permite-nos acompanhar as mudanças ocorridas ao longo dos 47 anos analisados, desde a época da alta costura até a moda prêt-à-porter (pronta para vestir/pronta para levar), desde quando ter um corpo voluptuoso era sinal de riqueza até o padrão alto e magro difundido pelos concursos de beleza e pelas modelos de passarela, desde quando a juventude era considerada até os 30 anos, mas que findava aos 20 anos de uma mulher. 

A partir da década de 1960, colunas dirigidas às adolescentes (ou meninas-moça) tornaram-se mais frequentes, sendo meninas de 16 anos o padrão feminino a ser observado e atingido, mesmo por mulheres de 40 anos. A velhice e a obesidade eram condenadas, a beleza deixa de ser um dom para ser um objetivo de qualquer mulher (só não é bela quem não se esforça, quem não quer). Observa-se claramente a pressão social existente sobre a mulher, que persiste nos dias atuais.

Acompanhada de literatura especializada – como das áreas das Ciências Sociais e Filosofia -, a autora traça paralelos sobre a construção social dos papéis de gênero na sociedade brasileira e mundial. Ao final do livro, Renata Neiva compara os excertos analisados do suplemento feminino do Correio da Manhã, existente entre os anos 1925 e 1972, com a atualidade, e conclui que muito do discurso difundido nesses anos persiste – mesmo que com outra roupagem – na contemporaneidade. A pressão para que a mulher seja perfeita, para que se encaixe num padrão físico, mesmo que com uma retórica mais renovada, mais acolhedora, ainda difunde muitos dos valores que apareciam no periódico carioca, no século passado. 

O trabalho de análise cuidadoso da autora faz-nos refletir sobre o nosso papel enquanto mulheres numa sociedade patriarcal, que ainda oprime a mulher e a relega a um papel de objeto, acessório. É uma leitura fácil, na qual a autora nos conduz por um Brasil de outros tempos, cujos elementos infelizmente se fazem ainda presentes no Brasil de hoje.

 

Resenha do livro Pedagogias da beleza: as páginas femininas do Correio da Manhã, da autora Renata Neiva (disponível online em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/31265)


Pâmela Mossmann é doutoranda em Ciência Política (Universidade de Nova Lisboa), com pesquisa/tese baseada na igualdade de gênero no âmbito da discriminação de preços baseada no gênero (ou taxas rosa).

Você pode gostar...

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *