Poema – Variações sobre a imprecisa localização do corpo e outras imprecisões imaginárias, por Deyvesson Santos
O Minotauro deita no capim — não sei em que ponto.
O corpo de uma certa maneira.
A polidez no declínio; módica presença em queda livre.
Um punhado de órgãos não traz calmaria
campo minado inevitável. Descreva as águas que vêm — não sei em que ponto.
Depois da voz
há outra voz. O corpo como vestígio desenfreado.
O corpo, esse recado ancestral que vem de boca em boca
desde o primeiro beijo.
*
Visto daqui
o corpo é uma instância da língua.
*
A língua é o corpo de novo. É precisar de novo.
Na Praça dos Leões jovens a cavalo anunciam
o assalto. No alto do prédio Lobrás
declaro a ausência de estalactites nessa cidade.
Na praça do Ferreira alguém usa o microfone com claras intenções
preciso de um beijo, preciso de um beijo, meu Deus.
A língua é o corpo precisando. De novo.
*
O recado acontece. Funda ecos.
A fragmentação da memória no corpo; exaustão e saudade
a duração danificada. Algo quer sair. Não sai.
O corpo comporta mais ausência que o mundo.
O corpo diz mais. Precisa mais.
Da Estação Espacial da China a imensa bola azul é menos que uma lágrima
e o astronauta chora a filha morta.
Da Estação Espacial da China tudo o que se vê é criança e capim
capim e criança
(acidental iteração asmática).
Meu deus, uma memoriazinha de nada
é a única construção humana que pode ser vista do espaço.
*
Há uma leve curvatura no ponto final; observar tudo
o que desliza; sempre que preciso elevar a pressão arterial
vou para frente do mar
e olho o Mara Hope por 7 horas seguidas.
A cidade é um feixe de desmoronamentos; um sistema de pressurização
da memória. Uso o olhar como instrumento de fixação da cidade – demolição
após demolição.
*
Repetição é colapso. O Minotauro olha as unhas da amada;
quer medir sua velocidade, detectar seus movimentos.
Ela diz: vem, mede o tempo que levo para abrir as pernas.
E insere uma abertura. O suor, a luz, os pelos difusos
e o movimento browniano das palavras
(é entre tuas pernas
que eu descrevo as águas
a língua para o que foi feita).
*
Como estão as coisas?
O Minotauro tem 103 anos
um câncer no pâncreas
e toda noite dorme como um bebê.
E toda manhã subscrevo a sina do capim.
Até que ponto?
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