Clube de Leitura do Pacote – O senhor do lado esquerdo (Alberto Mussa), por Juliana Costa

O senhor do lado esquerdo faz parte do compêndio mítico do Rio de Janeiro, uma pentalogia escrita por Alberto Mussa. O autor é carioca e formado em letras pela UFRJ. Tinha tudo para seguir carreira acadêmica e ser um professor universitário renomado, mas foi atingido pelo Governo Collor e precisou rever suas rotas. Assim, tornou-se escritor. Sorte a nossa, e uma pena para a academia e a produção de pesquisas nesse país. Essa informação foi dada pelo próprio autor no encontro do Clube do Pacote de Textos, realizado dia 31 de julho.

Sua estreia como escritor se deu em 1997 com Elegbara, livro de contos com inspiração na mitologia nagô. Em 1999, dá início então à publicação de sua pentalogia com o livro O trono da rainha Jinga, que tem como período histórico o século XVII. Posteriormente, lançou o livro O senhor do lado esquerdo (2011), tendo como base o século XX (obra enviada pelo Pacote de Textos). O terceiro livro da pentalogia foi A primeira história do mundo (2014), cujo enredo se passa no século XVI e que levou o Prêmio Oceanos. O quarto livro, A hipótese humana (2017), se passa no século XIX e, por fim, temos A Biblioteca Elementar, que se passa no século XVIII. Todos os livros têm a cidade do Rio de Janeiro como ambientação e são inscritos no gênero do romance policial.

O que impressiona em O senhor do lado esquerdo, vencedor do prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, é, para além da narrativa policial incrível criada pelo autor, sua pesquisa histórica sobre os fatos da época no Rio de Janeiro. É um deleite acompanhar essa narrativa e caminhar junto com o personagem Baeta (que por curiosidade é um dos sobrenomes no autor) pelas ruas da cidade e ir descortinando sua história.

Li em algum canto que o autor desejava que este livro tivesse uma linguagem acessível e penso que ele conseguiu. A narrativa é ágil e cria um assassinato fictício que ocorreu em 1913 de um importante assessor do Presidente da República em um prostíbulo, conhecido como Casa das Trocas. Com esta premissa, Mussa varia sua narrativa entre o romance policial e as passagens históricas. No livro, a história do Rio se inicia com a chegada dos portugueses, enquanto capoeiras, feiticeiros e clínica de aborto de dia e prostíbulo de luxo à noite (a Casa das Trocas) são inseridos no enredo.

No encontro do Clube do Pacote, Alberto Mussa falou que, após escrever O Conto da Rainha Jinga, veio a ideia de escrever cinco romances que se localizassem temporalmente em cada um dos séculos. Ele pensou sobre isso, mas não executou a ideia naquele momento. Esqueceu-se dela, inclusive, só se lembrando quando, em uma entrevista, lhe perguntaram sobre este projeto – foi quando decidiu retomar sua ideia. Mussa também explicou que o romance policial e histórico despertam muito interesse nele. 

Em O senhor do lado esquerdo, Mussa baseia-se no mito do orixá do candomblé logun edé, um homem que tem o poder de se transformar em mulher, mas que, para isso, precisou firmar um pacto de não matar pássaros. Segundo o autor, quando este orixá chega ao Brasil, passa a ter uma visão moralizante, característica de nossa sociedade patriarcal. 

Outra questão muito presente no livro é a narrativa a partir do olhar dos povos africanos e indígenas, em detrimento do europeu. Esta é uma perspectiva que o autor faz questão de demarcar em sua literatura, a partir da imersão em diversas leituras que realiza para compor sua narrativa. 

Uma coisa que deixou a todas(os) impressionadas(os) foi a informação dada pelo autor de que seus livros sempre começam a ser escritos pelos títulos. Esse título é definido e será ele até o final da escrita. Mussa considera que o título ilustra bem o que será desenvolvido na história e, quando o define, já tem o ambiente em que ela vai se passar. Dessa forma, o escritor pensa mais na história antes de colocá-la no papel: planeja o livro todo na cabeça para depois iniciar a escrita que, segundo ele, é relativamente rápida depois disso. 

Além destas informações que nos deixaram bem impactadas(os) sobre o processo criativo de Mussa, o grupo que participou do encontro considerou como aspecto positivo a forma narrativa do autor, que conduz a história de forma fluida. A paisagem urbana do Rio de Janeiro também foi bastante comentada, principalmente por quem é da cidade ou já a conhece. Estas pessoas consideraram que fizeram um passeio pelas ruas do Rio, mesmo sem estar lá. E ressaltaram a importância de descolonizar as narrativas propostas pelo autor.

Este foi o primeiro encontro do Clube do Pacote de Textos que contou com a presença do autor, deixando todos com gostinho de quero mais. 

Para quem perdeu, o encontro do Pacote está disponível, na íntegra, no Canal do Pacote no YouTube.

Texto por Juliana Costa (@coisasqueleio).

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